MÉDICO DE FAMÍLIA
IV Encontro da US de Caldas da Rainha
"A articulação médico de Família é deficiente nas DCA"
Ainda no âmbito da temática das doenças por comportamento alimentar (DCA), a mesa sobre anorexia e bulimia nervosas encerrou os trabalhos da parte da manhã. Os convidados foram uma psiquiatra e um psicólogo, ambos do Núcleo de DCA do Serviço de Psiquiatria do Hospital de Santa Maria, em Lisboa. Dulce Bouça e Abel Matos descreveram a forma como os doentes são abordados na consulta de DCA que funciona nesta unidade hospitalar - inaugurada em 1989 - e frisaram a grande necessidade de sensibilizar o MF para o diagnóstico destas patologias e de fomentar a sua articulação com o profissional de saúde mental.
"As doenças do comportamento alimentar lidam com a regulação do apetite e esta é uma
questão inerente à prática da Medicina Geral e Familiar". Foi assim que Dulce Bouça,
psiquiatra do Núcleo de DCA a funcionar no Serviço de Psiquiatria do Hospital de Santa
Maria, iniciou a sua intervenção, procurando estabelecer de imediato uma ponte entre
a saúde mental e a Medicina Geral e Familiar neste contexto.
Uma vez que as DCA aparecem prioritariamente nas consultas de pediatria e de MGF, estes profissionais
têm a responsabilidade da primeira abordagem. Como tal, a sua articulação com os psiquiatras "é
fundamental e tem que ser urgentemente melhorada, uma vez que ainda é muito deficiente".
Conduzindo a assistência pelo universo das DCA - nas suas expressões mais conhecidas
como a anorexia e bulimia nervosas - Dulce Bouça explicou que estas doenças integram
uma psicopatologia: "repercutem-se num determinado comportamento e este, por
sua vez, tem repercussões somáticas graves ou até mesmo fatais". Segundo a
psiquiatra, estas não são doenças da moda, como muitas vezes se "apregoa" para procurar
explicar determinados comportamentos que lhes estão associados. "Não é a moda, nem as
imagens das modelos 'escanzeladas' que causam anorexia nervosa porque todos somos
bombardeados por essas imagens e estamos sujeitos a essa 'ditadura', porém, apenas uma
ínfima percentagem (entre 0,5 a 1%) das pessoas que fazem dieta desenvolvem
uma patologia desta natureza", sublinhou a oradora.
*
Não desvalorizar...*
A ideia de que a anorexia está relacionada com movimentos culturais, como a moda, pode mesmo ser perigosa, já que "é capaz de conduzir à desvalorização do problema e, consequentemente, ao atraso do seu
diagnóstico", lembrou a médica, acrescentando que por estas serem doenças que atingem maioritariamente
adolescentes e o sexo feminino, existe uma certa tendência para desvalorizar. "Argumentos como 'não
pressione, isso é da idade, vai ver que passa' podem levar, efectivamente a grandes e perigosos atrasos no
diagnóstico de uma DCA", frisou.
Apesar da prevalência das DCA, não quer dizer que uma jovem "com uns quilinhos a mais" não
possa querer fazer dieta. De acordo com a psiquiatra, o combate à obesidade na adolescência
é também importante, porém, "o acompanhamento de um jovem por parte do MF tem que ser completamente diferente do de um adulto, de forma a evitar cair numa DCA", salientou. A este propósito, Dulce Bouça apontou alguns dos sinais que podem levar o MF a suspeitar de um diagnóstico de doença por comportamento alimentar: preocupação excessiva com questões dietéticas, como o número de calorias de cada alimento, e o desconforto e irritabilidade quando questionados ou demasiado confrontados sobre os seus hábitos alimentares.
*
Abordagem multidimensional*
Sendo doenças do foro psiquiátrico, as DCA são conhecidas como patologias "nervosas".
Concentrando-se naquela que é a mais frequente das DCA, a anorexia nervosa distingue-
se da anorexia normalmente descrita na medicina, "uma vez que não se trata de falta
de fome, mas de uma luta contra o apetite", explicou Dulce Bouça.
Através da descrição de um caso de anorexia nervosa, em que surgiu a dúvida de se internar uma doente grave no serviço de Medicina ou no serviço de Psiquiatria, a médica salientou a importância de uma abordagem multidimensional no tratamento das DCA.
"Optámos por interná-la em psiquiatria, pois na fase da sua doença, a intervenção psicológica
- fazendo-a aceitar pequenas colheres de comida - era muito mais importante do que qualquer
tratamento clínico", explicou.
Segundo a oradora, estas doenças "dão muito trabalho a tratar porque exigem uma permanente
negociação com os doentes, em que pequeníssimos aumentos de peso representam enormes avanços psicológicos". Simultaneamente, é necessária a intervenção do MF para a avaliação somática e até para estabelecer uma dieta - "algo que qualquer médico sabe fazer" - articulada com a do psiquiatra e do psicólogo que faz o trabalho mais importante: "tirar-lhes o medo de comer". Dulce Bouça esclareceu, ainda, que as doentes com anorexia nervosa não beneficiam de qualquer terapêutica farmacológica. "Não necessitam de tomar a pílula, uma vez que a menstruação volta assim que se regula o apetite", afirmou, acrescentando que "os psicofármacos também não se aplicam a estes casos".
Para além de uma abordagem multidimensional, foi salientada a importância da multidisciplinaridade nos
cuidados. Aqui, "o papel dos enfermeiros é fundamental, uma vez que estes doentes não dizem as mesmas
coisas a todos os técnicos de saúde", frisou a psiquiatra.
*
Desfazer enganos...*
Uma outra face menos visível das DCA é a ingestão compulsiva. O papel do médico de
família ganha uma maior relevância no acompanhamento destes doentes - "pessoas que
vivem, normalmente, em grande sofrimento e têm uma enorme necessidade de serem
ouvidas", descreveu a oradora. Nestes casos, explicou Dulce Bouça, o diagnóstico
precoce é igualmente fundamental e os doentes beneficiam da acção farmacológica
de um medicamento antidepressivo, como a serotonina. No entanto, mais importante
do que a administração de qualquer fármaco, é "procurar desfazer o engano em
que os doentes se encontram", salientou a psiquiatra, explicando que o objectivo das
pessoas com desordem compulsiva é o de se sentirem melhor consigo próprias.
Segundo Abel Matos, o psicólogo convidado, na abordagem clínica destes
doentes está totalmente contra-indicado "ser-se crítico, interpretar, desvalorizar e ser
rápido". Por oposição, deve-se facilitar o acesso à consulta - espaço por excelência de
confidencialidade - bem como "tranquilizar, criar empatia, explicar e ser sincero". Na opinião
do orador, a consulta de DCA a funcionar no serviço de psiquiatria do Hospital de Santa
Maria, está melhor organizada para garantir o cumprimento destes objectivos, quando comparada
com o sistema de cuidados de saúde primários. A terminar, Abel Matos focou o papel que os
grupos de apoio - um tipo de organização muito comum a nível internacional -
pode ter no âmbito das DCA. "As pessoas numa fase mais avançada de
recuperação podem dar um excelente contributo e ajudar aquelas que ainda
estão numa fase inicial e grave da doença", explicou.
Cláudia Brito Marques
obs Raioverde: desculpem mais uma nota pessoal, a titulo de conselho, que nao consigo deixar de dar a quem sofre de dca: por favor nao atrasem o diagnostico ou o tratamento, tentando enganar o médico.. sei que a tentaçao para mentir, ou quando muito, omitir factos ao medico pode ser grande, mas acreditem que só nos prejudica. Eu propria fui vitima desse atraso qdo escondi a "bizarria" que se passava cmg do meu medico de familia anos e anos, mas por vergonha e até total desconhecimento da existencia da doença. O que lhe ia dizer se nem sabia que comportamento tão irracional, era o meu que quase me levava à loucura?. Mas foi nos anos 80, hoje o Medico de Familia tem mt mais informçao como ve vê pelo artigo e é quem deve estar atento aos sinais "disfarçados" da doença, pois nem sempre o doente vai contar, porque é um "segredo" mt dificil de deixar de ser só nosso. Mas, no meu caso, já qdo entregue à minha psiquiatra nunca mais omiti factos, se houve omissoes inconscientes, a nivel de emoçoes/sentimentos isso nao sei (mas como boa psiquiatra que era claro que ela percebia o que se passava no meu "eu" mais intimo), mas a nivel de factos da doença nunca deixei de lhe contar fosse o que fosse, e acreditem que me custava imenso pensar que a decepcionava, desiludia a pessoa que mais acreditava em mim, talvez a unica, quando eu propria ha mt ja tinha desistido de mim. Mas, como ela dizia e bem, quem se decepcionava era eu comigo mesma. Mas acreditem que mais decepcionada ficaria se mentisse à unica pessoa que nao desistia de mim. E acho que quase todas nós temos esse sentimento de "lealdade" nas Amizades (porque no fundo estabelece-se uma relaçao de Amizade, só que diferente das "normais" entre psiquiatra e doente e que julgo ser mt importante na terapia- ja a drª Dulce o disse numa entrevista que aqui colei no blog) e nem que seja para fazer valer esse valor, por favor nao OMITAM NADA! e mais, façam tudo o que puderem para entregar as redeas da luta contra a doença a essa Pessoa, Medica e até Amiga, conhecedora de todos os nossos truques da doença (acaba por descobrir na mesma o que omitimos, só atrasamos o tratamento se o fizermos), mas tb a unica conhecedora das "armas" que nos poderão levar a (sempre com a medica ou equipa - nao estamos sozinhas), perder o medo de comer e começar a acreditar que COMER NÃO ENGORDA, só nos devolve o "peso ideal", que significa apenas sermos magras mas saudaveis.
bjs.. e desculpem a formataçao do texto, mas por mais que tente nao consigo corrigi-la.