segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

continuando a entrevista sobre dca..

Anorexia, nossa inimiga

Foi há 12 anos que se criou a Consulta de Doenças do Comportamento Alimentar (DCA) no Hospital de Santa Maria (HSM), em Lisboa. Desde então há um maior conhecimento da anorexia mas continua a ser difícil trazer os doentes à consulta. As causas são várias. É uma doença de tratamento difícil e prolongado, os médicos de família, ginecologistas e muitos psiquiatras ainda não sabem tratar a doença e não há consultas em número suficiente. Para além de Lisboa, só existem consultas específicas para distúrbios alimentares no Porto e em Coimbra. O que se revela muito insuficiente face a uma doença que se expande cada vez mais.


Dada a complexidade da anorexia é fundamental que o tratamento seja acompanhado por uma equipa multidisciplinar, constituída por psicólogos, dietistas e endocrinologistas. Cabe a um psiquiatra com experiência nesta doença fazer o diagnóstico. Normalmente o tempo de espera entre a triagem e a primeira consulta é de um mês. Mas nos casos graves o doente é atendido nas urgências, onde há sempre um psiquiatra de serviço.

"A anorexia é uma doença psiquiátrica com critérios diagnósticos bem definidos: recusa em manter um peso normal para a idade e altura, receio mórbido de aumentar de peso e alterações endócrinas decorrentes da falta de alimentação, que se traduzem em falta de menstruação nas mulheres e falta de interesse sexual nos homens." É desta forma que Daniel Sampaio, psiquiatra na consulta de DCA no HSM, define a anorexia.



Daniel Sampaio confessa que a anorexia o fascina porque apesar de todos os estudos realizados ainda não se conhecem as causas da doença. Sabe-se porém que a anorexia não é uma doença de moda e existem já dados consistentes que apontam para uma origem genética.


A grande maioria dos casos de anorexia trata-se em consulta externa - segundo dados clínicos têm aparecido cerca de 60 novos casos por ano. O internamento é só para situações muito graves, quando há um longo tempo de evolução da doença e uma alteração da condição física que coloca a vida em risco. Os critérios do internamento são: grande perda de peso, índice de massa corporal abaixo de 13, fracasso do tratamento em consulta, grande conflitualidade familiar e complicações médicas.


"São doenças que preocupam muito os familiares, que causam muito sofrimento e desencadeiam sentimentos de mau estar nas famílias", diz Daniel Sampaio. A percentagem de casos de anorexia é inferior a 0,5 por cento enquanto a bulimia se situa entre os dois e três por cento, segundo estudos a nível regional. Para o psiquiatra, "fala-se muito mais de anorexia, mas a bulimia é muito mais importante em termos de saúde pública". E acrescenta, "mas isto já vem tudo nos livros, já está tudo escrito, dito e falado". A impressão que fica é que não há nada de novo a dizer sobre estas doenças. Mas Dulce Bouça, psicoterapeuta na consulta de DCA do HSM, defende que há sempre algo a acrescentar no que diz respeito à relação terapêutica. "Só a terapia consegue levar uma pessoa a abandonar aquilo que se tornou o fulcro da sua vida e única razão de ser", afirma.


Devido a um apertado controlo sobre o seu corpo, o anoréctico tem imenso medo de estabelecer uma relação com alguém que detém o poder médico da doença. É fundamental para o tratamento que o terapeuta conquiste a confiança do doente. Para tal o terapeuta tem de reunir dois aspectos: por um lado aceitar as resistências do doente e por outro não desistir.


"O trabalho do terapeuta é muito duro. Eu costumo dizer que é mais difícil tratar-se do que continuar anoréctico", diz Dulce Bouça. Nessa relação de confiança e partilha entre médico e doente, tudo é negociado para que se consiga ultrapassar os momentos em que lutam por coisas diferentes. A cura implica que essa luta caminhe no mesmo sentido. Um índice de massa corporal igual ou superior a 18.5, regresso da menstruação e não haver mais preocupações com a imagem corporal e com a comida, são os critérios de cura. Segundo estudos realizados, apenas 40 por cento dos casos recuperam totalmente, 30 por cento recuperam parcialmente (verifica-se um aumento de peso e o regresso da menstruação mas persiste a preocupação com a imagem corporal), 20 por cento tornam-se crónicos e 5 a 10 por cento morrem.

É pelo facto de a parte psíquica e física da doença estarem interligadas que o tratamento da anorexia exige, além do psicólogo, o endocrinologista e o dietista. Durante muito tempo associou-se a origem destas doenças a factores endócrinos o que levou à inclusão desta especialidade na equipa multidisciplinar. Ainda hoje, a endocrinologia continua a ter um papel importante na consulta devido às complicações médicas destas doenças. Na anorexia nervosa a complicação mais grave é a osteoporose, na bulimia são as perturbações ao nível do esófago, dos dentes e do estômago devido aos episódios frequentes de vómito.


"O psiquiatra trata a doença psíquica e nós tomamos conta da parte física e das repercussões que o emagrecimento, sobretudo nos casos de anorexia, tem sobre o corpo: desequilíbrio nas análises, ausência de menstruação", diz Zulmira Jorge, médica endocrinologista da consulta de DCA do HSM. Para esta médica tem de se gostar mesmo da profissão, já que é difícil lidar com pessoas cuja mente vive aprisionada na relação entre o corpo e a comida.


Também Patrícia Nunes, dietista de DCA do HSM se mostra apaixonada pela profissão, o que não é difícil dada a relação positiva que geralmente estabelece com os doentes. A comida é o tema de conversa que os une. Mas esta não é uma relação fácil. "É preciso ter treino com estas doentes", afirma. O objectivo da dietista é que o doente consiga atingir o peso mínimo para se manter física e psiquicamente bem através do reequilíbrio da alimentação. Mas uma só consulta não chega. Antes da prescrição da dieta há todo um ritual a ser cumprido. É necessário fazer uma recolha da história alimentar do doente desde a infância até ao momento actual e pedir um diário alimentar, onde o doente regista tudo aquilo que come. "Nós temos é que ter a capacidade, como técnicos, de saber averiguar se é verdade ou mentira o que eles escrevem no diário. Podemos não conseguir na primeira consulta, mas depois é muito mais fácil", diz Patrícia Nunes com base na sua experiência. Por fim, é necessário recolher os dados antropométricos ( peso, altura, análises) e os dados psico-sociais (com quem é que a doente vive, quem é que prepara as refeições, se come sozinha ou acompanhada, se come em casa ou fora de casa). Só com estes dados é que se vai poder indicar uma dieta porque cada doente é um caso. "As dietas são prescritas conforme a pessoa que temos à frente", explica.

O paciente tem um acompanhamento regular, de 15 em 15 dias ou de mês a mês quando as coisas correm bem, para o dietista poder avaliar se a dieta está a ser cumprida. "As bulímicas conseguem aderir mais facilmente. As anorécticas no inicio não, mas depois sim. Também tem a ver com o contrato que se faz com o próprio doente. Começa a ganhar uma certa confiança e aderem muito mais facilmente". Para tal é necessário fazer novamente uma educação alimentar que passa pelo combate a certos mitos que se tem acerca da alimentação e pelos conselhos alimentares sobre novas receitas para fugir à monotonia das refeições. Por exemplo, o bulímico que gosta de doces pode ser ensinado a confeccionar doces que não engordam e o anoréctico pode fazer outro tipo de refeições que não sejam cozidos e grelhados.

É com estas ideias e empenho que os psicólogos, endocrinologistas e dietistas lutam de mãos dadas contra uma doença difícil mas não invencível.


Obs.raioverde: apenas posso adiantar que acho que no meu caso foi essencial a relaçao medico/doente, como disse nesta entrevista e bem a minha querida médica, drª dulce.. quando ja está tudo dito e escrito, quando também ja está praticamente tudo feito pelo doente e ele nao "reage positivamente", quando é um "caso perdido" para a classe medica, acho que só mesmo investindo nessa relaçao se pode salvar a vida dum doente ... e acho que confiança, afecto e firmeza são ingrediente fundamentais que o doente precisa de ver no seu médico, embora esta ultima (firmeza) ele nao queira ver, mas precisa de ver, para que as regras ditadas pela doença sejam substituidas por regras ditadas por quem sabe o que precisamos QUERER em casa momento do tratamento, pois são momentos em que a nossa vontade está ainda completamente dominada pela doença, não vale a pena querermos nada sem uma orientação de quem sabe... esta é a minha opinião como ex doente e sempre contruindo dia a dia a sua recuperação.
Com o tempo a nossa vontade (e o corpo também) voltará a ser nossa e não da doença, nessa altura sim, deixamos de precisar de regras. Até lá eu aconselho a todas as doentes: substiuição das regras da doença por regras ditadas pelos medicos..porque hoje vejo que na doença a vontade fica anulada e o nosso cerebro só está preparado para obedecer (mas atençao, e repito, nao falo como médica, sim a partir da minha experiencia mt pessoal e sempre pela minha optica de doente).
bjs a todas/os os que estão neste "barco", que um dia chega à sua praia, basta que deêm a mão a quem "SABE e QUER por vós", isto é, o vosso psiquiatra mt experimentado nestas doenças.
Para a Drª Dulce sempre o meu eterno mt obrigada e a toda a equipa do HSM!

A todos desejo também um Ano Novo cheio de Saude, Paz e muita Alegria, ou então, para quem ainda está na doença, muitos momentos de alegria, quantos mais melhor, porque sei que a nossa vida enquanto doentes de dca é feita mt de "momentos", mas também quantos mais momentos Positivos proporcionarem a vós proprias, mais afastam a negatividade da doença e assim ja estão a combate-la de certo modo!
bjs com todo o carinho!

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